O conceito de hub de saúde, importado dos Estados Unidos, foi inicialmente empregado por grandes redes, como CVS e Walgreens. Há cerca de 15 anos, as principais redes de farmácias americanas, em especial essas duas, começaram a abrir clínicas de varejo, que contavam com farmacêuticos, enfermeiros e médicos devido à legislação do país. “Eram clínicas multisserviços, multiprofissionais, e foi assim que começou a se desenhar o conceito de hub”, relata Cassyano Correr, farmacêutico fundador da Clinicarx e consultor técnico da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
Durante muito tempo, essas clínicas atuaram de forma isolada dentro do sistema de saúde, como se fossem uma ilha: o paciente ia até a clínica, era atendido e voltava para casa. Elas não se conectavam com hospitais, laboratórios e outras instituições. No entanto, esse foi o cenário inicial que possibilitou o surgimento dos atuais hubs de saúde.
Hub de saúde: a reinvenção do setor farmacêutico
A proposta é que a farmácia deixe de atuar de forma isolada.Cassyano explica que hub, por definição, é um lugar que conecta duas jornadas: uma online e outra física, nas farmácias. Além de oferecer os serviços clínicos dentro do seu espaço físico, a farmácia conecta-se a outros serviços de saúde para que a jornada do cliente seja mais completa.
“O conceito de hub de saúde propõe uma farmácia mais conectada, pensando em toda a jornada do cliente”, pontua o consultor. O estabelecimento farmacêutico passa a oferecer uma solução mais completa. Mesmo que o cliente não encontre tudo na farmácia, ela vai conectá-lo a outros serviços de saúde, para que ele tenha tudo do que precisa.
No Brasil, o conceito gerou certa confusão nas pessoas, que começaram a perguntar a diferença entre sala de serviço farmacêutico e hub de saúde. “A princípio, para ser um hub de saúde – um ideal das grandes redes, principalmente –, a farmácia precisa ser, de fato, um ponto de saúde e passar a se conectar com hospitais, laboratórios e até com outros serviços de bem-estar, fitness, nutrição”, explica o farmacêutico.
Leia também: Saiba como implantar cashback na sua farmácia
Modelo de hub representa atendimento integral ao paciente
Por se tratar de um projeto novo, mesmo nas grandes redes, ele ainda precisa amadurecer. No Brasil, a Raia Drogasil (RD) lançou um ambiente virtual chamado Vitat, uma plataforma para promoção da saúde integral,que revela o rumo desse movimento no País.
A Vitat é um portal voltado para o consumidor, o paciente. Nessa plataforma, o usuário consegue encontrar consultas de telemedicina, serviços de fitness, parcerias com academias, conexões com nutricionistas ou outros aplicativos de saúde e serviços que as farmácias RD oferecem nas salas de atendimento. “Tudo isso por meio de um cadastro virtual que possibilita desde a compra de produtos até agendamentos online dos serviços de saúde. Essas novas possibilidades começam a integrar a vida do consumidor brasileiro”, exemplifica o especialista, representando um modelo de atendimento integral ao cliente.
A lógica é a seguinte: o cliente vai à farmácia para fazer um exame de Covid-19, por exemplo, e, se precisar de uma consulta médica depois, a própria Raia Drogasil diz qual é a opção de telemedicina disponível, com ou sem plano de saúde conveniado. “Esse é o exemplo de um projeto que está no começo, mas a Vitat já revela esse movimento alinhado ao conceito de hub de saúde. Já existem pessoas usando todos os serviços que esse hub pode oferecer”, informa Cassyano.
Farmácia vem firmando-se como estabelecimento de saúde
A Lei Federal 13.021, de 2014, diz que a farmácia é estabelecimento de saúde e não um simples comércio. Mas até que ponto essa lei está somente no papel? Até que ponto outros players do mercado enxergam esse potencial na farmácia e estão dispostos a fazer uma conexão com ela?
De acordo com o especialista, todos estão assistindo a uma transformação. Para ele, vale refletir: o que aconteceu nos últimos dez anos e o que vai acontecer nos próximos dez? São décadas para poder avançar. “As farmácias, e aqui incluo todos os portes de estabelecimentos, fizeram milhões de testes de Covid-19”, relembra Cassyano. Se não existisse a Lei 13.021, não haveria teste de Covid-19 na farmácia atualmente, o que mostra que a transformação é constante e está diante dos olhos de todos.
Segundo o farmacêutico, em geral, as operadoras de saúde, os hospitais e as empresas com alta gestão em saúde ainda enxergam a farmácia como o lugar onde se compra medicamentos, como varejo, que é o seu papel tradicional. No entanto, à medida que as farmácias vão comunicando seu novo posicionamento e avançando, principalmente as grandes redes, outros players passam a olhá-las de outra forma.
O teste de Covid-19 ocorre 100% dentro das farmácias, mas existem casos em que a coleta é enviada ao laboratório. Outro exemplo são as plataformas de telemedicina. Muitas farmácias já têm parceria com essas plataformas. O objetivo é encaminhar o cliente da farmácia para consultas com descontos e melhores condições.
“Esses exemplos caracterizam um hub de saúde”, aponta Cassyano. “Além disso, os médicos dessas plataformas passam a olhar as farmácias como um ponto de geração de demanda para eles. Não apenas como o lugar para onde eles mandam a receita médica, como era tradicionalmente”, conclui. Assim, são formados novos arranjos que não existiam anos atrás.
Veja também: Margem de contribuição: tudo o que você precisa saber para calcular
Pandemia fortaleceu credibilidade das farmácias perante órgãos de saúde
Não há dúvidas de que a pandemia contribuiu para que as farmácias ganhassem o status de ponto de testagem. Com isso, outros players começaram a ver a farmácia de outra forma. Para Cassyano, é um mérito das farmácias, mas o especialista faz um alerta: elas precisam investir em outros serviços além do teste de Covid-19.
“Nos últimos dois anos, as farmácias apenas pensaram em Covid-19, assim como todos nós, não é uma crítica. Entretanto, para serem um hub de saúde completo e reconhecido por hospitais, laboratórios, operadoras e governos, têm que ir além da Covid-19”, pontua o consultor. A orientação é que as farmácias deem enfoque desde já no pós-Covid.
Hub de saúde: existem oportunidades para farmácias independentes
As grandes redes e conglomerados farmacêuticos têm capacidade de desenvolver um hub de saúde próprio, como nova empresa ou novo negócio. Já as pequenas farmácias, que representam a grande maioria – mais de 50 mil farmácias são independentes no Brasil –, vão progredir à medida que esse novo mercado também evolua. Segundo Cassyano, vão surgir plataformas e oportunidades para as farmácias independentes se conectarem e participarem.
Um exemplo prático dessa evolução natural são os PBMs, programas de benefícios de medicamentos e descontos dos laboratórios, que nasceram dentro das grandes redes, mas acabaram chegando também às pequenas farmácias.
Outro exemplo é o cartão fidelidade. O farmacêutico conta que a ideia inicial era de que apenas as grandes redes poderiam ter. “Tratava-se de uma mecânica difícil, envolvendo pontos, prêmios e fidelização. Hoje, existem serviços e soluções em que farmácias de pequeno porte também podem ter seu cartão de fidelidade”, ilustra.
A tendência é que as inovações se democratizem de modo que farmácias de qualquer porte com vocação para se modernizar e fazer diferente possam participar dos hubs de saúde.
Restrições regulatórias para hubs de saúde
Para o especialista, existem muitas áreas cinzentas dentro do assunto. Falta uma legislação clara sobre colocar um consultório de telemedicina dentro de uma farmácia, por exemplo. Os exames rápidos também não têm uma legislação formulada, e farmácia ser ponto de coleta para laboratório também gera problemas quanto à legislação vigente.
Mesmo assim, as farmácias estão forçando a fronteira da legalidade e colocando a atual legislação em xeque. Tanto é que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está preste a publicar uma resolução atualizada da RDC 44, de 2009. Essa nova resolução vai atualizar a lista de serviços e procedimentos de saúde que podem ser realizados dentro de uma farmácia.