Para muitos, o contrato social pode parecer apenas uma formalidade na hora de abrir uma farmácia. Pensar dessa forma é um grande engano, pois, se malfeito, pode colocar em risco o negócio que você e seus sócios construíram com tanto esforço. Contratos básicos, que seguem modelos já prontos, podem gerar problemas no âmbito judicial e financeiro, podendo levar uma empresa a disputas na justiça e à perda de quantias consideráveis, arruinando o patrimônio.
A função jurídica do contrato social é formalizar a constituição de uma sociedade. Ele deve refletir a convenção estabelecida entre pessoas que se associam de forma a constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica. “Em outras palavras, o contrato social é a ferramenta hábil utilizada para proteger a empresa das relações existentes entre ela, seus sócios e terceiros”, explica o advogado Amadeus Ottoni.
Há diversas formas de sociedades: simples, em nome coletivo, em comandita simples, limitada, anônima, em comandita por ações, cooperativa, entre outras. No Brasil, cerca de 90% das sociedades formalmente constituídas são as sociedades limitadas, facilmente identificadas por possuírem a abreviatura Ltda.
“Importante destacar que, até o advento da Lei Federal nº 13.874/2019, uma sociedade somente poderia ser constituída com, pelo menos, dois sócios. Com a inserção do parágrafo 2º ao artigo 1.052 do Código Civil, passou a ser possível a chamada “sociedade unipessoal”, isto é, com apenas um único sócio”, observa Gustavo Semblano, advogado e diretor da Semblano Advogados Associados.
Leia também: Como abrir uma farmácia: um guia completo para ajudar você
Situações a serem previstas no contrato social
É muito comum que o contrato social seja assinado sem que os sócios tenham pleno conhecimento de seu conteúdo ou elaborado com base em um modelo padrão de contrato. Segundo Semblano, é necessário constar, no mínimo, as informações citadas pelo artigo 997, do Código Civil, a saber:
– Nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
– Denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
– Capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;
– Quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
– Prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
– Participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
– Se os sócios respondem ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.
“É preciso ter em mente que ainda que a lei não determine como obrigatórias, existem inúmeras questões que podem e devem ser abordadas, debatidas e regradas pelo contrato social, e que uma disposição contratual equivocada é o bastante para causar uma instabilidade indesejada na empresa e até mesmo sua morte”, acrescenta Ottoni.
Além das informações mínimas citadas acima, o contrato social deve tratar de situações como:
– Utilização do nome empresarial;
– Se haverá um administrador, quem será ele, seus poderes e atribuições;
– Destituição de diretores;
– Pró-labore dos sócios que terão cargos e funções na empresa;
– Dissolução parcial ou total da sociedade;
– Relação dos sócios remanescentes com os herdeiros do sócio falecido;
– Atos da vida civil dos sócios que interfiram na sociedade;
– Quóruns de deliberações e meios de solução de litígios.
Tudo isso, claro, de acordo com as atividades de cada segmento ou atividade econômica.
Vale destacar que o pró-labore é um direito do administrador do negócio, que recebe uma remuneração mensal pelas atividades que realiza dentro da empresa. Sócios que são apenas investidores não têm retirada pró-labore, apenas participação nos lucros. Todas essas condições devem estar devidamente registradas no contrato social.
Veja ainda: Quando e como usar a ação renovatória no contrato de locação comercial
Erros que devem ser evitados
Quando não há orientação jurídica e contábil, os contratos são produzidos com erros que colocam em risco o negócio. É muito comum não quantificar corretamente o valor atribuído ao capital social, valor essencial para diversas situações que a empresa vai enfrentar ao longo de sua existência jurídica.
Capital social é o valor bruto investido pelos sócios para que uma empresa possa ser aberta e começar a funcionar até que obtenha retorno financeiro. Em geral, abrir uma farmácia exige um investimento de R$ 200, R$ 300 mil, mas são os sócios que definem, de forma estimada, o valor que vai ser aplicado na conta da empresa para que possa ser aberta e iniciar suas operações.
“Não existe um cálculo prévio, pois o valor varia conforme a atividade econômica. Sendo farmácia ou drogaria, esse capital tem que ser suficiente para se arcar com todos os custos de implantação da empresa, como locação do ponto comercial, reforma de loja, formação do estoque inicial de produtos, compra de maquinário, pagamento dos salários iniciais dos funcionários, enfim, todo custo inicial de constituição e abertura”, explica Bruno Moura, contador da Farma Contábil e especialista em varejo farmacêutico.
De acordo com Semblano, muitos empresários informam, de maneira indiscriminada e sem qualquer amparo técnico-contábil, valores muito abaixo do que realmente seria necessário para montar um negócio em determinado segmento econômico, pois o fazem apenas para cumprir uma formalidade contratual. “Ao fazer isso, podem encontrar dificuldades na obtenção de um crédito bancário, por exemplo, mas sobretudo em firmarem contratos com outras empresas, pois, por vezes, quem está firmando um contrato sente maior segurança quando o capital social reflete um valor que traduz efetivamente a realidade e, quanto maior esse valor, mais segurança transmite”, alerta Semblano.
Outro erro é não realizar a integralização de capital social de acordo com as quotas dos sócios. A integralização de capital é a entrega formal de um valor que foi prometido por um sócio no momento da constituição de uma empresa, ou seja, é o recebimento do montante de cada sócio para a formação do capital social.
Esse recebimento pode ocorrer em outro momento, não necessariamente na abertura da farmácia, podendo ser ou não em dinheiro, pois há outras formas de se fazer esse pagamento, como utilizando bens móveis e imóveis. Um dos sócios pode optar por pagar sua parte com um terreno, por exemplo. No entanto, o pagamento futuro deve ser definido no contrato como um capital a integralizar e precisará passar pelo processo de integralização.
Como não há fiscalização, a responsabilidade por realizar a integralização do montante que faltou no momento de abertura da empresa fica sob a responsabilidade dos próprios sócios. Por isso, os valores, as datas de integralização e os acordos feitos devem estar no contrato social. E atenção: qualquer integralização de recursos deve constar no balanço patrimonial da empresa e nos demais documentos contábeis.
Contrato social de farmácia: particularidades
Segundo Bruno Moura, não há diferenças significativas entre a constituição de uma farmácia e demais empresas no que diz respeito ao conteúdo do contrato social. “Existem modelos com cláusulas básicas necessárias exigidas pela Junta Comercial, mas sempre vai haver cláusulas acessórias que podem ser colocadas de acordo com o que for negociado entre as partes, como distribuição de lucro e encerramento da sociedade por parte de um dos sócios”, explica.
É importante ter atenção também à Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), que informa o código de cada atividade econômica exercida por um negócio. Os códigos relacionados à farmácia e drogaria são muito específicos e devem ser citados corretamente no contrato, assim como devem estar de acordo com as atividades autorizadas pela Prefeitura no local de abertura do ponto comercial.
No caso de uma farmácia, o regime tributário deverá ser definido antes da elaboração do contrato social. “Se um dos sócios for pessoa jurídica, essa farmácia não poderá ser automaticamente incluída no Simples Nacional, assim como também ficará excluída desse regime se a expectativa de faturamento for superior a R$ 4,8 milhões no ano. Na verdade, definir o enquadramento é condição obrigatória para qualquer ramo de negócio, não apenas para o farmacêutico”, detalha Bruno.
E, se o empresário tiver outros negócios em seu nome, vai precisar observar o valor total faturado pelo grupo empresarial, para que não ultrapasse o limite do Simples Nacional, caso seja essa a opção tributária inicial da empresa que será constituída.
Por fim, o contador destaca que o contrato social deve obedecer às normas estabelecidas pelo Código Civil Brasileiro, não podendo criar nenhum tipo de regra entre os sócios que desrespeite o Código Civil, atualizado pela Lei Federal 10.406, em 2002.